Você chegou num dia em que minha manhã foi escura. Para os
outros da nossa casa, pareceu que foi teletransportada magicamente desde Recife
naquele começo de domingo. Acordei antes das 4h, pela primeira vez dirigi em
uma estrada junto a meu pai, e, na volta, você veio em meu colo, já me
antecipando como um certo carinho por trás da orelha poderia te acalmar. Um dia
diferente e inesquecível: acordei à noite com meu pai e em algumas horas
trouxemos um membro com o qual nunca havíamos sonhado.
Sua vida conosco foi amor e doação. Você parecia nunca
estar triste e, nos primeiros anos, tinha energia para dois de cada um de nós,
como se soubesse – e sabia... – que, no fim, o que mais importa é estar junto.
E fazia questão de estar junto, sentada em nossos pés, deitada sobre nossas
pernas ou se aproveitando de qualquer brecha para “encostar” em qualquer parte
nossa, ainda que às custas de desconforto para alguma das partes (normalmente,
a gente).
E tudo isso era amor e doação. À sua “avó”, sua pessoa
preferida, a quem você idolatrava; a seu “avô”, a quem você sempre pedia comida
e tampinhas; a mim, sinônimo de brincadeiras com bolas, pelúcias e qualquer
outro objeto que você conseguisse abocanhar e me trazer. Qualquer um que te
encontrava ganhava uma recepção carinhosa e um rebolado, como se balançasse um
rabo que nunca soubemos se te foi tirado ou se de fato nunca existiu.
Acho que não houve uma vez em que estive com você em que
não me senti melhor. Quando estava triste, quando estava feliz, em dias
ordinários... você, mesmo na fase mais velhinha e preguiçosa, sempre se
levantou e me chamou para brincar, como se soubesse – e sabia... – que a vida é
o momento em que estamos, e nele devemos aproveitar ao máximo a companhia dos
nossos.
Muitas vezes brinquei menos que você merecia, por afazeres
“humanos”, que sua pureza não permitia entender. Mas, a cada despedida,
especialmente quando passei a morar longe, sempre te dava um aperto especial,
um carinho a mais. Como se soubesse – e, eventualmente, estive certo... – que
poderia ser a despedida definitiva.
O que me mais dói não é só a rapidez de tudo (em pouco mais
de um mês, aconteceu), mas ter te visto uma última vez em sofrimento tão severo
que não reagiu à presença de duas das suas pessoas mais amadas. Ali eu vi que estava
partindo. Ali, eu fraquejei em te levar logo, e nunca mais te vi. É uma ferida
que carregarei e que até agora não começou a cicatrizar. Sofro por não ter
conseguido fazer nada, mas, de fato, nem sempre conseguiremos proteger aqueles
que amamos, e o sofrimento, infelizmente, é inevitável, em qualquer cenário.
Quase toda noite desde então eu sonho com você. Seja brincando, seja ao meu lado, como em um dos dias ordinários, mas sempre me convencendo que você ainda está conosco e que nada daquilo aconteceu. Talvez seja meu subconsciente saudoso, talvez sejam manifestações de algo maior, não sei. Mas estou certo que, em qualquer dos planos, estar ao seu lado sempre trouxe e sempre trará a sensação de viver um sonho bom.
Obrigado por tanto amor, carinho, chamego e “grude”. Você foi inesquecível, Frida. Nós te amamos e esperamos conseguir viver esse sonho em algum outro plano, em algum outro dia que comece escuro.