M. viveu em uma cidade ribeirinha nem
pequena, nem grande. Em sua infância, corria à beira daquele frondoso rio,
contemplado de frente pelas casas dos ricos e pelas praças da cidade, dele
separadas apenas por uma avenida. Na maior destas praças, cercada por árvores, M.
percebia ao voltar da escola, havia sempre um velho sentado, apoiado em sua
bengala e olhando além do rio, com a expressão de quem espera ver o sol fazer
algo além de se pôr. M. estranhava: sentar àquele banco e lá estar ao fim de
cada dia era um dever religioso para o velho.
Então M. cresceu com sua cidade, cujas
belas casas tornaram-se prédios que pelas manhãs ensombreavam o rio e pelas
tardes postavam-se ao lado do velho para aguardar o sol partir. M. tudo observava
com interesse, mas sempre lhe faltava coragem para caminhar até aquele banco e
ver o que apenas o velho via. E os dias passaram, por vezes ligeiros, vazios, e
por vezes eternos, brilhantes – mas passavam, pois o tempo é inevitável como o
próprio pôr-do-sol.
E M. passou a juventude longe da cidade
natal, porque inevitavelmente teve de estudar fora, na capital, onde escolheu
sua profissão, casou-se com uma moça gentil, criou seus filhos e entre seus
lamentos havia o de que a tolice da juventude o impedira de finalmente
testemunhar o que via aquele velho. Após isso, o sol completou muitos e muitos
arcos até chegar o triste dia em que a cama de M. voltou a ter apenas um
ocupante.
Passado o luto, decidiu, sob os protestos
dos filhos já crescidos e estabelecidos, voltar à cidade em que sempre dormiu
só. Após chegar, em sua primeira caminhada pelas ruas há muito conhecidas, viu
que o lugar não era o mesmo: os automóveis, os barulhos, as pichações nos muros
e os prédios cresceram e multiplicaram-se. Mas a grande praça e o rio
permaneciam lá, testemunhas de M. e de sua terra.
E foi durante esse mesmo passeio que M. não
acreditou em seus olhos: enquanto andava à beira do rio, viu o mesmo velho, com
a mesma bengala, no mesmo banco, sob as mesmas árvores. Só o medo de M. mudara:
jubiloso, apressou-se, atravessou a rua conturbada tão depressa quanto suas trêmulas
pernas deixaram, e, quando já estava perto da praça, dois carros colidiram com
violência suficiente para lhe chamar a atenção por alguns segundos.
Seu grande choque, porém, foi perceber
que aqueles instantes de curiosidade o fizeram perder o velho de vista – no
banco agora estava apenas a bengala. Não perderia a viagem; agora mais
tranqüilamente, aproximou-se do banco, apoiou-se na bengala, sentou e, após
descansar alguns instantes, olhou à frente para contemplar a vista. E viu o
grande sol laranja pincelado por nuvens negras pintando de amarelo o
azul-escuro do rio. Aquele pôr-do-sol não era tão belo quanto outros que
presenciara, mas M. foi inundado de satisfação por finalmente compreender o que
o velho sentia, pois viu com os seus olhos.
A partir de então, todos os dias M. ia à
praça para devolver a bengala ao velho, que nunca voltou a aparecer. Isso não o
incomodou, mas lhe causava um surpreendente contentamento. E assim foi até o
último anoitecer, em que M. rapidamente levantou e foi para casa, sorrindo.
Amei.
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