Verônica, três meses depois de tomar a
decisão – e de trair Marcelo, que, faça-se justiça, também a traíra, embora jure que fora obrigado a ir para a cama com Carlinha, (ex) amiga de Verônica –
finalmente tomou coragem e uísque (e vodka, e cerveja, e caninha com mel e
caipirinhas) o suficiente para acabar o namoro. Desabafava.
-Sabe o que é, Marcelinho? Você não me
escuta. Sempre acha que tá bom. Não se interessa por saber a opinião dos
outros. Não se interessa por saber a minha opinião. Tenha santa paciência,
Marcelo!
-Mas amor...
Ela nem o deixava falar:
-Mas amor coisíssima nenhuma! Você nunca
escuta! Já parou pra pensar em quão ruim você é por isso até mesmo no sexo? A
própria Carlinha, aquela vaca, disse! Já tomei a decisão e não vou mudar, está
tudo acabado!
Virou o resto da cerveja e ainda
despediu-se magistralmente.
-Adeus! E pague a conta, você que
escolheu esse bar ruim e caro!
Verônica, em seu piti de término de namoro,
estava certa em uma coisa: ele não era muito de ouvir opiniões. Já custava-lhe
muito prestar atenção em aulas importantes, quanto mais em pessoas. Nem gostava
muito da agora ex-namorada: achou até bastante conveniente que fosse ela a
terminar o relacionamento. Não ligaria para nada do que ela falou, mas prestou atenção a partir de quando
as palavras “ruim” e “sexo” estavam perigosamente próximas no discurso. Ficou
encucado e até com medo daquele desabafo. Será?
Passou uma semana e Verônica ligou
dizendo que o amava e que quem falara tudo aquilo fora o álcool e não ela. A
conversa não durou muito, já que quem atendeu o telefone foi a Carlinha. Dez anos mais tarde Verônica casaria-se com um surdo-mudo.
Decorreu-se um mês e Marcelo ainda estava
com aquilo na cabeça: será que era tão ruim de cama assim? Será que a Carlinha,
a Verônica e outras tantas sempre fingiam? O que ele tinha de bom, afinal? O
que teria de melhorar?
Estava na sala de aula quando lhe veio à
cabeça a brilhante solução: fazer formulários. Isso: formulários de satisfação
das suas conquistas. Exatamente como aqueles de qualquer restaurante de macarrão,
mas que fossem efetivamente respondidos e não servissem só para clientes
esporádicos anotarem telefones ou tecerem rabiscos. Começou a fazer o rascunho
ali mesmo. Algumas horas mais tarde, o Formulário de Satisfação Sexual do
Marcelinho estava pronto.
Agora vinha a parte mais difícil: arrumar
quem os respondesse. Mas um homem com o orgulho ferido atrai mais as mulheres,
principalmente se, como Marcelinho, morar numa cobertura na beira da praia
e for filho de um dos homens mais ricos do estado. Finalmente, transou com a Carla (que,
apesar do nome, era menor que a Carlinha). Perguntou, finalizado o ato:
-E aí, gostou?
-Ai, foi show!
-Mesmo?
-Claro, por que você acha que eu
mentiria?
“Talvez porque a gente jantou em outra
cidade e veio de helicóptero pra cá?” foi o que ele pensou e quis, no fundo
responder. Preferiu ater-se ao seu objetivo.
-Então tá. Olha... É que, como você sabe,
eu perdi minha mãe muito cedo – Carla assustou-se –, então minha psicóloga
disse pra eu aplicar esses questionários aqui para as minhas parceiras sexuais.
Não é nada demais, só pra auxiliar e desvendar alguns aspectos do meu
subconsciente e ter algum resultado nesse tratamento que eu faço desde que,
você sabe – ele já percebia uma expressão de pena na moça –, aconteceu...
-Claro! Ajudo sim! Passa isso pra cá!
E começou a responder. Volta e meia,
fazia uma cara de espanto ou estranheza, mas respondia como se estivesse numa
prova da faculdade. A certo ponto, entretanto, não resistiu:
-Benzinho?
Marcelo arrepiou-se só por ser chamado de
benzinho por ela. Será que achava que ele queria um caso sério? Respondeu o
mais friamente que pôde, porém da mesma forma que faria se realmente quisesse
algo a mais com a moça:
-Oi.
-Olha, tudo bem que eu não sei nada de
psicologia, mas qual a relação entre a parte do meu corpo que você deveria ter
tocado enquanto – ela hesitou como normalmente faz quem quer dizer
“transar” e não está entre pessoas mais íntimas ou precisamente em vias de
transar –, err, fazíamos aquilo e o trauma pela sua mãe? Assim, com todo
respeito, mas eu não entendo.
-Ah, sei lá! É psicologia, quem entende?
-Eu mesma não... E classificar o seu
desempenho? E escolher entre essas alternativas aqui pro tamanho, sabe,
daquilo? Não acha que é meio pessoal?
-Sim, mas o seu anonimato está garantido.
Eu vou depositar seu formulário naquela urna ali – apontou para o objeto, que
tinha a sigla FSSM em letras garrafais – e depois a entrego fechadinha, lacrada
para minha psicóloga.
-Uma urna? Como assim? Você tem que
transar – agora Carla estava com raiva, estado de humor no qual se perde
aqueles pudores habituais – com meio mundo de gente pra resolver um problema
psicológico? Psicóloga boa essa, hein? Meu filho, teu problema não é
psicológico, é mental!
Marcelo se animava, embora se mantivesse
sério. A urna funcionava para afastar relacionamentos. Mais um acerto. Calmo e
manipulador, esquivou-se:
-Olha, isso foi uma especialista que
falou. Me desculpe se eu perdi uma pessoa tão importante quando tinha só 13
anos e faria tudo pra tê-la aqui de volta em troca de todas as mulheres do
mundo. Mil desculpas, certo? – Carla já mudava de feição – Agora me dê licença,
vou no banheiro.
E foi depressa ao lavabo, como se
estivesse prestes a desabar em choro. Por cinco minutos, escutou, sorrindo,
Carla pedir desculpas e até prometendo uma “ajuda” no tratamento ao indicar-lhe
algumas amigas mais fáceis. Aí, no sexto minuto, seu celular começou a tocar.
Pediu que Carla o levasse.
-Quem é?
-Tua mãe.
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