quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cardápio

Tem certa coisa que me intriga. Por exemplo: é costume de escritores renomados (e bons) fazer um pequeno prefácio em seus textos ao se contar uma historinha relacionada ao tema. De preferência, metaforicamente. Passa uma ideia de cultura, genialidade, experiência no assunto. Mais ou menos como um passe de trivela mais simples, substituível por um passe normal. Serve para seu autor mostrar que sabe. Sua principal serventia, porém, é a de segurar o leitor. Um bom começo, com uma boa historinha, é fundamental para isso.

O problema é que raramente consigo um começo assim. Tudo bem que agora eu usei essa falta de habilidade - ou de cultura, seja o que for - como uma boa desculpa para começar um texto. Mas, normalmente, não sai tão fácil assim. Claro que existe aquele texto que já está quase pronto na cachola, mas é difícil achar um conteúdo legal que se possa relacionar ao que se quer falar. Basta dizer que a ideia inicial deste texto era a de falar sobre frutos do mar e sobre um termo usado num cardápio. Onde diabos se conseguiria uma introdução atrativa para isso? Ou será que o certo é ir direto ao ponto, sem preliminares? Ou não existe uma fórmula certa e cada texto é único e tem uma construção que deve ser seguida sacramentalmente?

É difícil responder. A ideia de que existe um mundo dos textos - sugerida, salvo engano, num poema de Carlos Drummond de Andrade - é até legal, mas improvável. Dá pra imaginar um lugar escuro, cheio de palavrinhas em branco que andam juntas, esperando serem sugadas para outra dimensão, uma espécie de cosmos da linguagem. Só que a ideia é meio maluca. Bonita, mas maluca. Melhor acreditar que os textos esperam para serem criados semi-prontos. Na cabeça de cada um, ele aguarda. Pode ser exteriorizado via oral ou escrita. Não que ele já esteja pré-pronto: é sua ideia que está. Cabe ao escritor - ou orador - dar-lhe requinte, de acordo com seus gostos, aptidões, talentos e prática. Daí é que vêm os grandes. É quase uma receita (apesar de que existem alguns pratos pré-prontos muito gostosos, o que traz dúvidas sobre a eficácia dessa metáfora), como se a união desses elementos implicasse em boas produções. Matemática.

Essa é a fórmula. Com a prática, provavelmente se alcançarão introduções engatilhadas a qualquer assunto. Bem, pelo menos torço por isso. Quanto aos frutos do mar, basta dizer que existem preliminares tão boas que dispensam o prato principal.

Talvez aí exista uma boa razão para a metáfora com comida.