quarta-feira, 22 de maio de 2013

o formulário

Verônica, três meses depois de tomar a decisão – e de trair Marcelo, que, faça-se justiça, também a traíra, embora jure que fora obrigado a ir para a cama com Carlinha, (ex) amiga de Verônica – finalmente tomou coragem e uísque (e vodka, e cerveja, e caninha com mel e caipirinhas) o suficiente para acabar o namoro. Desabafava.
-Sabe o que é, Marcelinho? Você não me escuta. Sempre acha que tá bom. Não se interessa por saber a opinião dos outros. Não se interessa por saber a minha opinião. Tenha santa paciência, Marcelo!
-Mas amor...
Ela nem o deixava falar:
-Mas amor coisíssima nenhuma! Você nunca escuta! Já parou pra pensar em quão ruim você é por isso até mesmo no sexo? A própria Carlinha, aquela vaca, disse! Já tomei a decisão e não vou mudar, está tudo acabado!
Virou o resto da cerveja e ainda despediu-se magistralmente.
-Adeus! E pague a conta, você que escolheu esse bar ruim e caro!
Verônica, em seu piti de término de namoro, estava certa em uma coisa: ele não era muito de ouvir opiniões. Já custava-lhe muito prestar atenção em aulas importantes, quanto mais em pessoas. Nem gostava muito da agora ex-namorada: achou até bastante conveniente que fosse ela a terminar o relacionamento. Não ligaria para nada do que ela falou, mas prestou atenção a partir de quando as palavras “ruim” e “sexo” estavam perigosamente próximas no discurso. Ficou encucado e até com medo daquele desabafo. Será?
Passou uma semana e Verônica ligou dizendo que o amava e que quem falara tudo aquilo fora o álcool e não ela. A conversa não durou muito, já que quem atendeu o telefone foi a Carlinha. Dez anos mais tarde Verônica casaria-se com um surdo-mudo.
Decorreu-se um mês e Marcelo ainda estava com aquilo na cabeça: será que era tão ruim de cama assim? Será que a Carlinha, a Verônica e outras tantas sempre fingiam? O que ele tinha de bom, afinal? O que teria de melhorar?
Estava na sala de aula quando lhe veio à cabeça a brilhante solução: fazer formulários. Isso: formulários de satisfação das suas conquistas. Exatamente como aqueles de qualquer restaurante de macarrão, mas que fossem efetivamente respondidos e não servissem só para clientes esporádicos anotarem telefones ou tecerem rabiscos. Começou a fazer o rascunho ali mesmo. Algumas horas mais tarde, o Formulário de Satisfação Sexual do Marcelinho estava pronto.
Agora vinha a parte mais difícil: arrumar quem os respondesse. Mas um homem com o orgulho ferido atrai mais as mulheres, principalmente se, como Marcelinho, morar numa cobertura na beira da praia e for filho de um dos homens mais ricos do estado. Finalmente, transou com a Carla (que, apesar do nome, era menor que a Carlinha). Perguntou, finalizado o ato:
-E aí, gostou?
-Ai, foi show!
-Mesmo?
-Claro, por que você acha que eu mentiria?
“Talvez porque a gente jantou em outra cidade e veio de helicóptero pra cá?” foi o que ele pensou e quis, no fundo responder. Preferiu ater-se ao seu objetivo.
-Então tá. Olha... É que, como você sabe, eu perdi minha mãe muito cedo – Carla assustou-se –, então minha psicóloga disse pra eu aplicar esses questionários aqui para as minhas parceiras sexuais. Não é nada demais, só pra auxiliar e desvendar alguns aspectos do meu subconsciente e ter algum resultado nesse tratamento que eu faço desde que, você sabe – ele já percebia uma expressão de pena na moça –, aconteceu...
-Claro! Ajudo sim! Passa isso pra cá!
E começou a responder. Volta e meia, fazia uma cara de espanto ou estranheza, mas respondia como se estivesse numa prova da faculdade. A certo ponto, entretanto, não resistiu:
-Benzinho?
Marcelo arrepiou-se só por ser chamado de benzinho por ela. Será que achava que ele queria um caso sério? Respondeu o mais friamente que pôde, porém da mesma forma que faria se realmente quisesse algo a mais com a moça:
-Oi.
-Olha, tudo bem que eu não sei nada de psicologia, mas qual a relação entre a parte do meu corpo que você deveria ter tocado enquanto – ela hesitou como normalmente faz quem quer dizer “transar” e não está entre pessoas mais íntimas ou precisamente em vias de transar –, err, fazíamos aquilo e o trauma pela sua mãe? Assim, com todo respeito, mas eu não entendo.
-Ah, sei lá! É psicologia, quem entende?
-Eu mesma não... E classificar o seu desempenho? E escolher entre essas alternativas aqui pro tamanho, sabe, daquilo? Não acha que é meio pessoal?
-Sim, mas o seu anonimato está garantido. Eu vou depositar seu formulário naquela urna ali – apontou para o objeto, que tinha a sigla FSSM em letras garrafais – e depois a entrego fechadinha, lacrada para minha psicóloga.
-Uma urna? Como assim? Você tem que transar – agora Carla estava com raiva, estado de humor no qual se perde aqueles pudores habituais – com meio mundo de gente pra resolver um problema psicológico? Psicóloga boa essa, hein? Meu filho, teu problema não é psicológico, é mental!
Marcelo se animava, embora se mantivesse sério. A urna funcionava para afastar relacionamentos. Mais um acerto. Calmo e manipulador, esquivou-se:
-Olha, isso foi uma especialista que falou. Me desculpe se eu perdi uma pessoa tão importante quando tinha só 13 anos e faria tudo pra tê-la aqui de volta em troca de todas as mulheres do mundo. Mil desculpas, certo? – Carla já mudava de feição – Agora me dê licença, vou no banheiro.
E foi depressa ao lavabo, como se estivesse prestes a desabar em choro. Por cinco minutos, escutou, sorrindo, Carla pedir desculpas e até prometendo uma “ajuda” no tratamento ao indicar-lhe algumas amigas mais fáceis. Aí, no sexto minuto, seu celular começou a tocar. Pediu que Carla o levasse.
-Quem é?
-Tua mãe.